quarta-feira, 16 de abril de 2008

A arte mimética segundo Aristóteles

Aristóteles, num vasto conjunto enciclopédico sistematizado, apresenta-se como codificador da metodologia científico-filosófica do Ocidente. A sua teoria da literatura, apresentada na Poética, é a primeira sistematização em torno do discurso literário, onde figuram procedimentos lógico-analíticos que instauram a teoria literária vigente até aos nossos dias. Na sua Poética, Aristóteles assume várias afirmações tão novas, quanto inquietantes para a época, entre as quais a teoria da mimese como princípio basilar de toda a literatura. Neste sentido, é importante compreender a arte mimética – apresentada pela Poética – como actividade artística e recreadora da realidade. Ora, ao ser recreadora, ela é sempre actual, na medida em que entendemos que a literatura não passa da recriação de uma realidade. A partir de novos parâmetros, na verosimilhança geradora de uma verdade originária, a obra literária manifesta uma natureza ontológica que representa o que é essencial e nobre no destino humano. Dá-se como fruto do fazer significativo, participando dos princípios inerentes à potencialidade da physis (matéria) e que é acto resultante da experiência individual do artista com a realidade, na tentativa de a transformar e aperfeiçoar. Por outras palavras, a mimese não representa uma mera imitatio (imitação) tal qual compreendia Platão, mas um agir expressivo no âmbito da poiesis grega, servindo-se, para isso, de uma techné (técnica). Trata-se de uma actividade que, ao reproduzir in aequo o real, o supera, chegando mesmo a modificá-lo. A mimese partilha das leis que governam a physis, retirando da matéria a potencialidade de um produto, ou seja, a obra de arte, através de um saber que lhe é próprio na linha da sensibilidade. Busca-se, na tragédia grega, o modelo da imitação por excelência. Ao produzir mitos e fábulas, imitam-se as acções humanas, na busca de um aperfeiçoamento das mesmas. A compreensão da mimese aristotélica é imprescindível para o entendimento das realidades artísticas, sobretudo da teoria literária, notadamente na contemporaneidade aquando da reprodução técnica da cultura do simulacro ou da duplicação ilusionista da realidade. Na literatura, o Classicismo está estreitamente ligado ao debate em torno da Poética de Aristóteles, onde se colheram as regras formais e temáticas dos vários géneros. A teoria mimética foi adaptada no Classicismo, na medida em que objectivava reviver os ideais da antiguidade Clássica nas artes, na literatura e na cultura, sendo uma continuação do Humanismo. Note-se que o Classicismo toma por modelos: a forma, as regras e os temas da arte da antiguidade greco-romana. A sua linguagem formal, desenvolvida ao longo do século XVI e até finais do século XVIII, encontra paralelismos na pintura, na arquitectura e na literatura, sem, no entanto, corresponder a um movimento unitário ou concertado no tempo e espaço. A actividade artística é mimese conquanto se possa conservar uma analogia em relação à natureza e, ao mesmo tempo, na possibilidade, transcendê-la. Para tanto, exige uma inteligibilidade intrínseca ao acto de sua realização, bem como uma sensibilidade que se objectiva de forma plena na relação entre a obra e o admirador. Eis a intuição criadora capaz de gerar novas perspectivas, bases para uma reinterpretação da realidade. Assim procede a tragédia, apontada por Aristóteles, como sendo a arte mimética por excelência. As emoções violentas e penosas são, através da arte, purificadas e transformadas em deleite estético e intelectivo, ocorrendo, deste modo, a catarse. Pela arte, o Homem torna-se capaz de criar um mundo que é seu, numa específica cultura, com visões e ideias abertas, na actualidade constante de uma experiência estética. Isso presentifica-se notadamente no Classicismo, quando a mimese se faz veículo e fundamento de objectivação da beleza, ou seja, a imitação dos processos intrínsecos e regulares da natureza divina. Contudo, a herança de Aristóteles prosseguiu o seu caminho, estendendo-se pela contemporaneidade da literatura em diversos autores como Fiama Hasse Pais Brandão, na sua obra Falar Sobre o Falado, onde verificamos a recuperação da tragédia de Shakespeare Hamlet. Fiama recria-a e transforma-a num conto. Trata-se do emprego da teoria da mimese aristotélica, uma vez que, ao mesmo tempo que reproduz a obra, a supera, modificando-a e recriando-a. O próprio título remete o leitor para uma recriação do que já foi falado, tendo em conta que acrescenta outros elementos através de um critério novo, de uma nova visão das coisas. Em jeito de conclusão, importa sublinhar que o princípio aristotélico de mimese tem vindo a presentificar-se em todas as épocas conferindo à literatura uma manifestação artística que encerra uma forma de recriação do conhecimento individual e social dos Homens, tendo em conta que estes se comprazem no imitado.

3 comentários:

Prof. Carlos Vaz disse...

Aristóteles também disse que "A amizade perfeita apenas pode existir entre os bons."

É bom ser teu amigo...

khareis disse...

Vero...
Os bons tem a capacidade de serem acima de tudo os sobreviventes e guardiões dos parcos recursos que agora estão cada vez mais indisponíveis a todos nesse planeta.
Para isso precisamos a seguir os conselhos khareiziano para tanto acesse o site do grande khareis:
www.khareis.logvelox.com

Unknown disse...

Olá. Tenho estudado a mimese e suas aventuras pela história e entendimento do homem acerca da atividade artística. Compreendo que lá na Grécia, O Estagirita concebe a imitação como uma imitação-elo com a natureza. Entender elo como traço semântico. Já depois, na idade média, imitatio ganha uma contação não diferente, mas perde sua força expressiva se percebermos que os latinos evocavam a lança enquanto os gregos a lira. Já em Lyotard. parece-me que o conceito perde mais traços semnânticos e cai no vazio moderno da representação. Neste momento, deixa-se a análise teórica, para abserva, atistotelicamente, a realidade em que se encontra a arte, enquanto esfera social separada da vida. O artista se coloca em primeiro plano e relega a arte o simples papel de instrumento produtor de uma mercadoria. Duchamp já havia expressado o valor da arte em um pinico de louça comprado numa loja de construção. Na representação, a arte do "grande" artista já surge de coisas inimagináveis, quiméricas e muitas vezes initeligíveis, a ponto de necesitar de um manual de instrução. Bem, aguardo qualquer contato. Ivo Xavier - Fortaleza-CE ivo.xavier@gmail.com