quinta-feira, 30 de agosto de 2007

Marido e Outros Contos


É de um pequeno ponto que parte aquilo que, por vezes, parece ser uma pequena ferida no real e que, quase sempre também, se apresenta sob a forma de um enigma: gestos, traços de uma personagem transformada em pura acção e alimentados por uma energia profunda, que vai traçando a história numa exemplar concentração de efeitos. São gestos misteriosos, manifestações bizarras, como que à procura de um sinal, de um sentido, impulsos de uma intensidade desordenada ou campanhas obstinadas à espera de uma revelação. É esse movimento que determina as personagens e também o comportamento, bastante carregado de nuances, das vozes que narram, quase sempre omniscientemente. Vozes cúmplices, com variadas modalizações e tonalidades irónicas, que não só sublinham e expandem esses gestos cegos como, sobretudo, indicam um projecto de denúncia que subjaz a toda a encenação narrativa: a beleza e o bem, tal como a escuridão e o mal, estão, de alguma forma, ocultos, são a perdição das figuras, mas também o que determina a sua sobrevivência em vários territórios de afirmação, o seu único retrato.

José Nobre da Silveira

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